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Quitação de leasing por roubo de veículo: verdade ou mito?


Há alguns meses vi inúmeros posts em redes sociais sobre uma decisão judicial, a qual dispõe que o consumidor que teve o seu carro roubado não precisaria pagar o restante das parcelas, caso a modalidade de financiamento fosse o leasing.

Primeiro, cumpre esclarecer o que é leasing. De maneira simples, o leasing foi criado como uma modalidade de aluguel de bens móveis, com opção de aquisição do bem, mediante pagamento de um valor residual, após o final do contrato. Essa forma de contrato era muito comum em empresas, especialmente para adquirir/alugar máquinas industriais ou até mesmo veículos, pois os valores acabavam sendo vantajosos.

Há algumas décadas, o mercado passou a oferecer essa modalidade de contrato também aos consumidores pessoas físicas, especialmente para a aquisição de veículos. A maior vantagem era a taxa de juros inferior a outras modalidades de financiamento, o que atraía a atenção e, em pouco tempo, se popularizou como um contrato de financiamento – sem que o consumidor soubesse que, na verdade, estava pagando por um aluguel com opção de compra, mediante o pagamento de valor residual, ao final do contrato ou já diluído nas parcelas mensais.

Muita polêmica foi construída ao redor do leasing como modalidade de financiamento direto para o consumidor, surgindo a interpretação (majoritária) de que, caso fosse cobrado o valor residual (de opção de compra) juntamente com as parcelas mensais, o leasing se descaracterizaria, tornando-se um financiamento comum de bem, perdendo, portanto, a característica de locação.

O maior reflexo disso era justamente quando ocorria o inadimplemento contratual, pois, não raro, o consumidor que já havia pago a maior parte do valor do contrato, perdia tudo o que já havia pago, pois até então teria pago um aluguel – tese que, felizmente, foi derrubada.

Novamente, o leasing vem causar polêmica. Em 2011, foi proposta uma ação civil pública no Rio de Janeiro, para questionar a legalidade da cobrança das parcelas vincendas no contrato de leasing para a compra de veículos, caso o consumidor fosse roubado ou furtado e não tivesse contratado seguro. A ação questiona a validade da cláusula contratual que prevê o pagamento integral das parcelas vincendas, justamente porque o leasing, sendo um contrato de locação de bem com opção de compra ao final, tendo sido o bem roubado ou furtado, não teria o consumidor que pagar o restante do contrato.

Em 2013, houve sentença, onde foi reconhecida a nulidade dessa cláusula contratual, por reconhecer sua abusividade e, consequentemente, isentando o consumidor do pagamento das parcelas vincendas do contrato e condenando as instituições financeiras que tivesse cobrado o consumidor nessas circunstâncias à devolução em dobro desse valor. Por se tratar de ação civil pública, a juíza prolatora da sentença atribuiu efeitos erga omines à decisão, o que significa que valeria para o país inteiro e contra todas as instituições financeiras, alcançando a todos os consumidores.

Entretanto, houve recurso por parte dos bancos, o qual foi julgado em julho deste ano. O acórdão deu parcial provimento ao recurso dos bancos, reconhecendo que o consumidor que se veja nessa situação – ter o veículo financiado por meio de leasing roubado ou furtado e sem a contratação de seguro – deve restituir ao banco apenas o valor que foi gasto para a aquisição do bem, com correção monetária. Caso o banco tenha cobrado do consumidor valor além do custo do bem, devidamente corrigido, deverá restituir a diferença ao consumidor, de forma simples, e não em dobro, segundo o entendimento dos desembargadores que julgaram a apelação.

Não se trata, pois, de isenção do pagamento das parcelas vincendas, mas de reconhecer que o consumidor nessa situação deve restituir ao banco apenas o valor do bem, descontando todos os outros valores previstos no contrato, como os juros bancários – que é, de fato, a remuneração do banco pelo empréstimo.

O curioso é que o assunto foi trazido à tona novamente, após a decisão que reformou a sentença, porém com o teor da decisão que foi reformada – ou seja, o assunto foi veiculado, mas seu conteúdo está desatualizado. O leitor desatento pode ser induzido a erro, portanto. Muitos consumidores, inclusive, comemoraram a decisão, tendo em vista a própria situação em que se encontram.

Mas, como quase todas as decisões judiciais, não se pode dar o caso por encerrado, até que se tenha o trânsito em julgado da decisão – e, mesmo nessas circunstâncias, nada impede que os tribunais mudem a interpretação, modificando o entendimento e gerando novos precedentes, tornando aquele entendimento anterior ultrapassado e, por consequência, mudando o rumo de processos e situações ainda não julgadas.

Como a decisão é recente, ainda não se sabe que rumo esse assunto vai tomar, pois dela ainda cabe recurso. Porém, o que se pode perceber é que, ainda que se mantenha a última decisão, abre-se um importante precedente para os consumidores. São novas teses, levadas ao Judiciário pelos advogados que lutam todos os dias pelos direitos de seus clientes que geram o reconhecimento de direitos e a consolidação de entendimentos nos tribunais.

Concluindo, a decisão que foi veiculada em diversos posts é real, porém antiga. Não se trata de notícia mentirosa, mas ultrapassada, portanto. De qualquer forma, ainda há o que comemorar, pois mesmo sendo reformada, a decisão que temos até o momento traz uma interpretação benéfica ao consumidor. Se for mantida, retirará desse consumidor o encargo de pagar um valor expressivo do contrato de leasing, o que, dependendo do momento do contrato, pode significar não pagar nada mais, ou ainda ter o ressarcimento de algum valor. Vamos acompanhar as cenas dos próximos recursos.

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